FOLHA DE SAO PAULO - 13 de Setembro de 2001 GERALD THOMAS ESPECIAL PARA A FOLHA, EM NOVA YORK ARTIGO "The Day After"Às 5h, sem conseguir dormir e tomado pelo assunto que dominou meu dia e fez da minha janela o espetáculo mais horrendo que já vi, não resisti e resolvi atravessar a ponte a pé.
Quanto mais perto, mais o cheiro se tornava insuportável. Desci pela Delancey e fui contornando pelo Bowery e Chinatown, Park Row, sabendo que o policiamento mais ostensivo estava na Broadway e na Church Street.
Só quando cheguei percebi a dimensão real da coisa. A horrenda proporção que eu não havia visto da minha janela durante o dia, nem mesmo durante a transmissão da TV. Downtown Manhattan é um enorme escombro.
Li trechos de cartas pessoais, arquivos de empresas, encontrei relógios, carteiras, pedaços de escritório. Mas o que mais me impressionou foi uma mesa praticamente intacta. Ela parecia ainda conter a alma de quem a usava. Andei pela região que hoje é chamada de World Financial Center, onde moram vários amigos, mas tudo tinha se transformado em escombro. Voltei a pé e cheguei de Williamsburg por volta das 8h. Tomei um café da manhã no Read Cafe. Não havia música ali (sempre há) e ninguém falava. O café estava mais amargo, e a volta para casa, mais triste.
Em breve voltaria ao Brasil, para iniciar um novo semestre de trabalhos no Sesc do Rio. Mas não tenho coragem de deixar isso para trás. Algum senso estranho de patriotismo e de dever cívico parece me manter aqui. No dia seguinte, isso parece ainda mais nítido e macabro do que enquanto o evento acontecia. Nada disso. As pessoas estavam correndo porque começaram a aparecer, flutuando na margem do rio, destroços que eu suponho sejam do impacto da explosão do segundo avião contra o WTC. Desci e fui checar. De fato, eram milhares de pedacinhos de madeira, restos de mesas, móveis, plástico de computador, carpetes incinerados, papéis e mais papéis. A população catava esses pedaços de triste lixo histórico como se fossem pequenas lembranças e lembretes de um episódio inesquecível. Certamente esse "lixo" será exposto com orgulho do lado dos retratos e dos troféus que servem para nos lembrar o quanto somos feitos de saudades. GERALD THOMAS é autor e diretor teatral. BACK |